CARTA ABERTA DA ADUERN A COMUNIDADE ACADÊMICA SOBRE O CALENDÁRIO UNIVERSITÁRIO

A expansão global do vírus Sars-Cov-2 trouxe uma situação de excepcionalidade que alterou profundamente o cotidiano do conjunto da classe trabalhadora, não apenas no Brasil, mas em todo mundo.

Em nossa comunidade acadêmica os primeiros efeitos já nos foram muito caros. No dia 15 de março de 2020 fomos surpreendidos com a suspensão imediata de todas as atividades presenciais de ensino, pesquisa e extensão na UERN. A medida, que inicialmente nos trouxe uma certa angústia, dada sua abruptalidade, logo se mostrou necessária, estendendo-se para outras entidades, instituições e diferentes ramos da sociedade. É fato: mudamos nossa rotina, porque o ritmo do mundo mudou.

Encerrar um semestre presencial de forma online, sem planejamento e orientações não se constituiu numa tarefa fácil. Essa experiência ainda exige de nós uma séria avaliação sobre os resultados dos procedimentos adotados e consequentes impactos para toda a comunidade acadêmica. E mesmo com esse perturbado processo ainda em curso, temos agora uma nova discussão: o início do semestre 2020.1.

Reconhecemos que estamos diante de um processo diferente. Mesmo em isolamento social, as unidades acadêmicas estão sendo estimuladas a se posicionarem e uma reunião com chefes, diretores e estudantes está prevista para o próximo dia 31 de março para discutir esse tema.

Confiamos na capacidade de avaliação e análise dos nossos servidores e dos representantes estudantis.  Todavia nós, Aduern, propomos também contribuir com esse processo, pelo nosso papel de sindicato classista, sempre atendo as demandas da nossa universidade e que também reúne o acumulado das discussões em outras IEs por meio do ANDES, nosso sindicato nacional.

Dessa forma gostaríamos de chamar atenção para os seguintes pontos:

  • A desigualdade digital que permeia a sociedade e educação dos brasileiros, deve ser ainda mais preocupante em nossa universidade, não somente pela sua localização geográfica, mas pela sua proposta e princípio de instituição inclusiva. As cotas tornaram a UERN um reduto da classe trabalhadora. Como consequência disso a grande maioria dos nossos alunos estão em famílias com até dois salários mínimos. Acompanhar atividades on line exige equipamentos e provedores. E nesses termos podem resultar em exclusão, ferindo nosso princípio, contrariando a nossa vocação natural;
  • Embora seja fundamental da atividade docente a formação continuada e os desafios, não se pode exigir dos nossos docentes um know-how com ferramentas tecnologias que não fazem parte de sua rotina, de seu planejamento. Mesmo que cursos e oportunidades sejam ofertados, eles não podem garantir resultados eficazes sem o viés presencial e em tão pouco tempo. Além disso, também transfere para o trabalhador e a trabalhadora o custo financeiro dessa prática, além de precarizar a prática docente;
  • Com todas as limitações que nos sãos impostas em termos de estrutura e até de usurpação de nossos direitos, o compromisso de nossa categoria docente é com o ensino de qualidade. E temos a firme convicção de que a presencialidade é um requisito básico. Educar também exige afeição. E os laços que unem docente-estudante construídos ao longo de cada semestre, serão seriamente comprometidos com contatos virtuais inicias e em situação de elevado estresse. Não nos é suficiente formar profissionais, almejamos cidadãos humanizados. Ademais, sem o pleno funcionamento da universidade não é possível conciliar o ensino com a pesquisa e a extensão, o tripé da formação universitária minimante desejável;
  • A situação de excepcionalidade enfrentada resultou em drásticas alterações de rotinas que não podem ser ignoradas. As escolas estão fechadas, muitos empregados domésticos e cuidadores de idosos não estão em atividades, idosos estão exigindo atenção especial, docentes, amigos e familiares estão ou poderão vir a adoecer. Nossa humanidade nos torna influenciados por todo o ambiente ao nosso redor e o isolamento social e as notícias recebidas também pressionam nossa saúde mental. Todo esse cenário já torna difícil o exercício de nossas atividades rotineiras, podendo ser ainda mais penoso com a exigências de novas práticas;
  • Somos conscientes da elevada carga de trabalho de grande parte de nossos docentes, acentuadas pelas exigências cada vez maiores de produtividade. Dessa forma mesmo sem atividades presenciais não estamos recebendo sem trabalhar. Planejamos, criamos, orientamos. E podemos aproveitar o momento para aprender com novas práticas e ferramentas capazes de auxiliar e enriquecer nossas atividades acadêmicas;
  • Toda a comunidade fez um enorme esforço para regularização do calendário acadêmico. Enfrentamos um semestre extremamente extenuante para alcançar essa meta com a preocupação com a sua regularidade, mas o calendário e seu cumprimento a todo custo não pode ser o nosso eixo orientador principal neste momento;
  • Tanto a portaria 343/20 MEC quanto a Nota Orientadora Normativa do Conselho Estadual de Educação impedem o curso de Medicina, os Estágios e as práticas laboratoriais de ofertarem parte de sua carga horaria na modalidade não presencial. Sendo assim, iniciar um semestre não presencial somente para alguns Componentes Curriculares criaria realidades distintas dentro do mesmo ambiente de trabalho que podem comprometer nossas rotinas acadêmicas;
  • O quadro atual vem fomentando importantes reflexões. Além do papel do SUS e dos investimentos nos serviços públicos, o papel social das universidades e da pesquisa estão em evidência. Na contramão do discurso econômico e da produção, observa-se uma sensibilização importante de toda a sociedade sobre saúde e responsabilidade social. Tendo sido a UERN vanguarda nessas ações, deve ela permanecer nessa linha de resistências que deve ficar mais tensa pela pressão do contra discurso do Presidente da República e das forças do capital. Pode ser a hora de fomentar projetos e ajudas sociais, de disponibilização de nossas estruturas, de oportunizar experiências novas aos nossos alunos, de identificação de competências e fomento de atividades extensionistas, de educação da população. De fazer da sociedade nossa sala de aula.

Diante dos pontos expostos entendemos que o melhor caminho no momento atual é a suspensão do calendário acadêmico por tempo indeterminado, a exemplo do que vem sendo realizados por diversas universidades, como por exemplo, todas as universidades públicas do Estado de Pernambuco, a UFRJ e a UFRN, entre outras, a ser retomado conforme orientação das autoridades sanitárias.

Mossoró, 27 de março de 2020

Diretoria da ADUERN gestão 2019-2021

Conselho de Representantes da ADUERN

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