Relato sobre o Seminário Nacional sobre Terceirização nas Instituições de Ensino Superior (IES) e Seminário Nacional sobre Precarização do Trabalho Docente

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 Relato redigido pelo Professor Alcivan Nunes, diretor da ADUERN

“O buraco era cada vez maior, os homens desgostavam-se do trabalho, que nem lhes permitia pagar as dívidas. Inferno de vida! Desse atoleiro não sairiam mais…”. Émile Zola.

O ANDES/SN realizou nos dias 08 e 09 de abril, na cidade de Fortaleza-CE, o Seminário Nacional sobre Terceirização nas Instituições de Ensino Superior (IES) e o Seminário Nacional sobre Precarização do Trabalho Docente. As discussões foram pautadas a partir das políticas que o governo federal e os estados têm implementado junto ao ensino superior no país, onde a educação pública tem sido alvo de cortes orçamentários em detrimento do ajuste fiscal e de outras medidas voltadas para assegurar o pagamento da dívida pública.

A terceirização é uma prática que ultrapassa os fins administrativos em si mesmos porque o seu propósito é a redução dos custos de produção de uma determinada atividade ou serviço, através do não pagamento de encargos trabalhistas. Consiste em uma vinculação precária entre o trabalhador e quem o contrata, contingenciada ao sabor das oscilações entre a oferta de emprego e a mão de obra desempregada. Por sua vez a precarização assume uma variabilidade nos seus modos de se fazer acontecer, indo desde a vulnerabilidade das formas de inserção na IES, passando pela intensificação da jornada de trabalho indo até à perda das identidades individual e coletiva. Em conjunto, estes fatores impactam na fragilização da organização dos trabalhadores em suas respectivas associações. Tanto a terceirização quanto a precarização constituem-se em uma realidade que se faz presente cada vez mais nas IES públicas, da mesma forma em que são implementadas na iniciativa privada. Elas se fundam no paradigma da “empresa enxuta” e implicam diretamente em sérios retrocessos no que diz respeito às condições de trabalho tanto para os docentes quanto para os demais servidores das universidades. Pois, impõem uma reorganização de suas atividades que tenta maximizar o aproveitamento do seu trabalho aumentando a sua carga de atividades nos moldes de uma linha de produção fordista.

Se por um lado há uma suposta otimização das horas trabalhadas, em outra perspectiva isto resulta em desrespeito às conquistas no campo do direito trabalhista e na redução de investimentos tão escassos em nossas instituições. Em alguns contextos o reflexo da terceirização e da precarização do trabalho docente tem assumido particularidades aviltantes. Por exemplo, em algumas IES o professor que ainda não integra o quadro efetivo da instituição se subordina a prestar “serviços voluntários” no intuito de pontuar seu currículo para os futuros processos seletivos. Assim, este profissional assume majoritariamente aulas e demais atividades na condição de colaborador do docente efetivo.

O problema reside no fato de que do lado dos entes públicos este pretenso voluntariado tem sido utilizado como pretexto para não realizar concursos e assim prover as instituições com o efetivo profissional do qual necessitam. Desta forma, a precarização do trabalho docente se institucionaliza em um conjunto de práticas e dispositivos que são naturalizados de forma oportunista, atendendo ao projeto político de sub financiamento da educação pública. Outros mecanismos que estão sendo utilizados neste sentido são os instrumentos normativos que regulamentam a distribuição de carga horária, a ascensão na carreira, a ampliação das vagas e dos cursos sem o devido provimento das condições materiais e logísticas necessárias a esta expansão.

Outra faceta da precarização se esconde nas estratégias de ampliar o acesso do aluno da escola pública ao ensino superior através do ENEM. Estes alunos passaram a contar com chances equitativas de acesso ao ensino superior, no entanto, este mesmo acesso trouxe com maior ênfase para o interior das universidades um aluno com demandas singulares face à defasagem do ensino público ao qual ele esteve vinculado anteriormente. Na ausência de políticas efetivas de apoio à permanência deste aluno na universidade, estas demandas têm sido reportadas diretamente ao docente que acaba estando mais próximo do seu cotidiano acadêmico.  E este mesmo docente passa a ser responsabilizado pelos insucessos desse aluno na medida em que sua aprovação tem o crivo dos processos avaliativos que também estão sob sua responsabilidade. O REUNI por sua vez institui precedentes da precarização da atividade docente ao adotar aquilo que já estrutura o ensino superior privado: o aumento da relação numérica entre o professor e o aluno e a adoção de regimes de trabalho onde o professor é lotado arbitrariamente como “horista”, dedicado integralmente à atividade em sala de aula.

No entremeio da terceirização e da precarização o adoecimento relacionado ao trabalho nas IES públicas tem se destacado ao longo dos últimos anos. A condição de docente com amplas competências para ministrar aula, desenvolver pesquisas, realizar extensão e assumir atividades administrativas tem se contrastado com um ideal de professor “excelente, competitivo e empreendedor” à beira do esgotamento físico e mental. As discussões apontaram como lugar de enfrentamento as associações docentes, organizadas em torno das pautas que emergem no cotidiano de cada IES. Face ao conturbado cenário político do país, as associações precisam definir coletivamente suas pautas primando pela defesa dos projetos comuns que podem ser pensados sob o lema da defesa de um ensino público e de qualidade; assegurando condições de trabalho compatíveis com a intensidade e com o desgaste que esta atividade tem proporcionado.

Alcivan Nunes Vieira

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